Textos


Mutações (Pantum)

Um mar de soja é tudo o que se vê
agora ali, nos campos do cerrado,
não resta mais sequer um pé de ipê
nem olhos d’água, tudo foi arado;
 
agora ali, nos campos do cerrado,
não correm mais riachos transparentes,
nem olhos d’água, tudo foi arado 
de soja e sorgo, viçam as sementes;
 
não correm mais riachos transparentes,
nem lambaris pequenos, mas ladinos,
de sorgo e soja, viçam as sementes;
por conta da ganância, desatinos;
 
nem lambaris pequenos, mas ladinos,
porque foram as matas derrubadas,
por conta da ganância, desatinos, 
secaram os riachos, as aguadas;
 
porque foram as matas derrubadas,
não mais se existem bichos pequeninos, 
secaram os riachos, as aguadas
onde pescavam homens e meninos;
 
não mais existem bichos pequeninos, 
nem peixes não existem mais nos rios
onde pescavam homens e meninos,
(os leitos estão secos, tão sombrios);
 
nem peixes não existem mais nos rios
- piquiras, lambaris ou matrinxãs –
os leitos estão secos, tão sombrios,
nas beiras não se têm panapanãs;
 
piquiras, lambaris ou matrinxãs,
não buscam, rio acima, seus berçários,
nas beiras não se têm panapanãs
nem cantam juritis, japus, canários;
 
não buscam, rio acima, seus berçários,
os peixes que passavam reluzentes,
nem cantam juritis, japus, canários.
que, outrora, ali viviam tão contentes;
 
os peixes que passavam reluzentes,
nos rios desses povos milenares,
que, outrora, ali viviam tão contentes,
no seu sagrado chão, antigos lares;
 
nos rios desses povos milenares,
(quem olha não entende ou mesmo crê)
no seu sagrado chão, antigos lares,
um mar de soja é tudo o que se vê!

Brasília, 22 de Novembro de 2012.

Livro: Cantos de Resistência, páginas 125 e 126

[Do mal. pantun.] 
pantum;pantume
Substantivo masculino. 

1.Poét. Poema originário da Malásia, em quadras, no qual o segundo e o quarto versos da primeira quadra são o primeiro e o terceiro da segunda, o segundo e o quarto desta são o primeiro e o terceiro da terceira, etc.; pantume. O último verso tem que ser igual ao primeiro.[São exemplos, em nossas letras, a “Serenata no Rio”, de Alberto de Oliveira, e o “Pantum”, de Olavo Bilac.].
Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado)
Enviado por Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado) em 22/11/2012
Alterado em 21/08/2020
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