Gente humilde
Meu senhor, minha senhora,
vim cantar por precisão,
falar da nossa nação,
de gente que sofre e chora
nas mãos de quem rindo explora:
índio, negro, quilombola,
idosos que pedem esmola,
crianças prostituídas
nos bares, nas avenidas,
onde tantas cheiram cola.
Cortei matas e cerrados
vi coisas que nem se crê,
e não se vê na tevê,
pois todos ficam calados,
p’ra proteger os errados,
que tiram do pobre o pão,
seu pedacinho de chão,
seu roçado, porco e gado,
beira de rio cevado,
e gritar não pode não.
Vi criancinha faminta,
pais e avós desesperados,
os velhos tão maltratados,
por gente de boa pinta,
que se diz muito distinta,
mas que não vale um tostão,
porque não respeita, não,
os direitos dessa gente,
que vai ficando indigente,
sem terra, sem lar, sem pão.
Vi trator passar por cima
de lares de tanta gente,
vi tanta coisa indecente,
rio abaixo e rio acima
que quase me desanima,
mas logo me olho no espelho,
brandindo na mão um relho,
jurando enquanto me fito,
soltando no espaço um grito:
ninguém me dobra o joelho.
Eu não vou parar a luta,
nem abandonar meu dom,
de cantar em alto tom,
a lida e a dor, vida bruta,
de quem a terra disputa,
vivendo em grande agonia,
sem ter na vida alegria,
que a terra chorando ara,
o sol ardendo na cara,
de tanto que ele alumia.
O que eu vi, ó, meus senhores
no meu repente não cabe,
mas antes que ele se acabe,
vou dizer, sem ter pudores,
com todos os tons e cores:
que vergonha, ó, meu Brasil,
que sob o teu céu de anil
tanta injustiça se veja,
enquanto bebem cerveja
os que tramam tanto ardil.
Brasília, 8 de Agosto de 2011.
Livro: CANTOS DE RESISTÊNCIA, páginas 131-133