Textos


Cordel mato-grossense

Voltei de longe, distante,
ao Mato Grosso querido,
e muito tenho aprendido,
e ensinado ao visitante,
que vem,  passa e segue avante.
E tanta história aprendi,
da boca de quem ouvi,
das gentes de antigamente,
colhendo muito semente,
e que agora planto aqui.

Oh! Gente! Só um instante,
eu muito tenho aprendido
e muito tenho insistido,
pois quero passar adiante,
porque vi coisa chocante
com índio, com quilombola,
que não pedem, não, esmola,
só querem o que é direito
e que negar não tem jeito,
pois nem tudo se patrola.

Dos índios ouvi demais
palavra triste - chacina -
que na escola não se ensina,
como acontece, jamais...
Aqui teve e foi demais,
nem sei como o povo aguenta
sofrer tanta dor, tormenta,
Ikpeng e Tapirapé,
Cinta Larga, Javaé,
reduzidos a cinquenta.

Citar povos que se sabe,
que vil chacina, sofreram,
dos milhares que morreram,
nesse repente nem cabe,
mas antes que ele se acabe
vou falar de morte à bala,
que ocorreu em grande escala,
de aldeia inteira queimada,
de roupa contaminada,
(e disso jamais se fala).

Essa história é recorrente,
é coisa da mais comum,
mas não se prendeu nenhum
até esta data presente...
Mas existe, minha gente,
alguns povos renascidos,
com muitos filhos crescidos;
das cinzas eles voltaram,
sobreviveram, lutaram,
naqueles tempos sofridos.

Tem tanto negro sem terra,
(tem tanta terra sem gente)
que já sofreu na corrente,
no mar, na mata, na serra,
e que enfrentou tanta guerra,
além de banzo e degredo,
o terror, a fome e o medo
espancado com chibata,
que corta fundo e maltrata
mais que as farpas do penedo.

Dos outros, ama de leite,
sem tempo p’ro seu filhinho,
sem dar-lhe amor e carinho,
e sem ninguém que a respeite,
e o  patrão, só por deleite,
tinha tanta concubina,
moça bonita, menina...
Seu amado na corrente,
um pobre sobrevivente,
da morte na guilhotina.

Afrodescendentes clamam
por seus direitos, por chão,
pra cuidar da plantação,
viver bem juntinho aos seus,
ao pranto dizer adeus...
Fazer farinha e melado,
ter porco, galinha, gado
e matula no embornal,
viver de modo ancestral,
sem, por patrão, ser mandado.

Eu vim aqui bem contente,
toda cheia de esperança,
que com força, com pujança,
brote em ti uma semente,
que plantei, neste repente,
bem dentro o teu coração,
com tanto gosto e emoção.
Que cresça bastante forte,
não cantei só por esporte,
só canto por precisão.

Meu senhor, minha senhora,
desculpa o tempo perdido,
mas muito tenho sofrido
porém partirei agora
muito já falei, embora
tendo muito pra contar,
prometo que eu vou voltar,
pra dizer mais dessa história,
que eu trago em minha memória,
no meu pobre versejar.
 
Cuiabá, 18 de Outubro de 2009.
 
Livro: Cantos de Resistência, páginas 121 a 124


 
19/10/2009 15h27 - Cacal

Que pobre coisa nenhuma!
Versejando desse jeito 
o leitor vai ter direito
de pedir verso de ruma.
E depois que se acostuma
com verso de qualidade
Sempre volta a vontade
de ver a inspiração
unir imaginação
com a criatividade!


Obrigada, abraços, Edir


Marcia Tigani MEU DEUS! É UM POEMA QUE NADA TEM A DEVER às BELAS OBRAS DE GUIMARÃES ROSA! REALISMO PRECISO E SENSIBILIDADE EM CADA VERSO! AMEI! Facebbok, 31/08/2011
Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado)
Enviado por Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado) em 18/10/2009
Alterado em 02/08/2020
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