Textos


Clamor mato-grossense

Eu clamo por Mato Grosso,
seus cerrados e seus rios,
pantanal que é um colosso,
seus recantos mais sombrios,
da coruja, eu canto os pios,
das garças seu alvoroço,
os tuiuiús nos baixios,
Eu canto tudo que é nosso,
por meses, anos a fios,
do jeito melhor que posso.
 
Canto as matas verdes, densas
sua formosura infinda,
bem mais belas do que pensas,
e nem conheces ainda.
A natureza nos brinda
com sensações tão intensas,
poesia que nunca finda
em suas terras extensas,
cachoeiras tão imensas
sob a lua cheia e linda.

O Cuiabá que coleia
por entre campos, cerrados,
brincando vai, serpenteia,
nas planícies, alagados...
E como é belo na cheia!
Espelhos d'água, banhados,
que o sol a pino clareia,
seus recantos encantados,
Negrinho d'água sem peia
assustando os abusados.

Tristezas canto também 
que conheci nesses lados,
tanta gente que é refém
dos mais ricos, abonados.
Os frágeis dizem amém,
na sarjeta, abandonados,
sem contar com mais ninguém
pra lutar por seus bocados, 
sem ter no bolso vintém,
vivem famintos, calados.

Há pouca gente com terra,
nos latifúndios, senhores,
tanta ganância se encerra
causando danos, horrores,
que viver é dura guerra,
fonte de tristeza e dores,
e  de fome, o corpo berra.
Ninguém ouve seus clamores
sua dor ninguém descerra...
São tantos seus dissabores!

Povos indígenas tantos,
de línguas tão diferentes,
cada qual com os seus cantos,
seus deuses, sagrados entes...
Dispersos em seus recantos,
da vida, plantam sementes,
dos ancestrais sacrossantos
com seus cantos tão candentes!
Mas só lhes causam espantos,
a ganância dessas gentes.

E negras comunidades
tradicionais quilombolas,
nos campos e nas cidades,
que não aceitam esmolas,
lutam contra atrocidades,
por terras e por escolas,
mas no campo, nas cidades,
os ricaços de cartolas
arrotam tantas verdades,
e compram armas, pistolas.

Há também os ribeirinhos
- gente humilde, mas honesta –
que trata bem seus vizinhos,
senhores de tanta festa.
Suas vidas têm espinhos,
como quem conhece atesta,
peixes só em bocadinhos, 
e quase nada lhes resta...
No entorno tanto mesquinho,
tudo tira, nada empresta.

E tantas gentes de outrora,
índios, negros e cafuzos,
pouco espaço têm agora
e sofrem grandes abusos,
nas mãos de quem só explora
por meios vis, tão escusos
a terra, as águas, a flora
para os mais diversos usos...
São bem tristes as auroras
daqueles que são exclusos!

Eu já disse por que vim,
já registrei meus clamores,
mas não disse tudo, enfim,
de suas gentes e dores...
Mas te lembrarás de mim
pelos caminhos que fores,
pois na vida não tem fim
as tristezas e os horrores.
Canto aqui desse confim,
vivendo os seus bastidores.
 
Cuiabá, 1° de Outubro de 2009.

Livro: Cantos de Resistência, páginas 127 a 130
Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado)
Enviado por Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado) em 01/10/2009
Alterado em 02/08/2020
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