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ANTROPOLOGÍA DEL DOLOR - David Le Breton

David Le Breton, Antropología del dolor, Barcelona, Seix Barral, 1999, 287 págs.

          Antropologia del dolor é um belíssimo livro de David Le Breton, publicado em Barcelona em 1999. Nele o autor dá continuidade a uma série iniciada com Antropologie du corps et modernité (1990), onde coloca que o corpo humano, para além de uma realidade em si mesmo, é uma construção sociocultural, não podendo ser reduzido a um dado indiscutível. Isto porque as representações do corpo e os saberes acerca dele são tributários de um estado social e de uma definição de pessoa. Por isso constitui um objeto privilegiado de análise antropológica.
          Nessa perspectiva Le Breton escreveu sobre os significados do rosto em Des visages (1992) e La Char à vif (1993), onde explora os usos médicos do corpo humano. Antropologie de la douleur , publicado originalmente na França em 1995, constitui um acumulado maduro de seus outros escritos e merece ser lido por todos aqueles que se interessam pela diversidade sociocultural humana e sua relação com o campo da saúde, em geral, e a coletiva, em particular.
          Professor de Sociologia e Antropologia na Universidade de Estrasburgo, lança mão das propostas teórico-metodológicas de Simmel e Mauss para analisar o corpo humano como metáfora, prenhe de significações, via de acesso ímpar à realidade mutante da experiência da dor enquanto construção social e cultural. Em seis capítulos – de excelente qualidade literária – ele escreve acerca da dor enquanto realidade objetiva e subjetiva, posto que é vivenciada por cada ser humano de forma culturalmente marcada. Nos dois capítulos finais, analisa os usos sociais da dor.
          Nesta obra ele analisa atentamente a carta Salvifici Doloris do Papa João Paulo II (1984) e com ele compartilha vários pressupostos. Dentre eles a distinção entre sofrimento físico e moral – dor do corpo e da alma – que o autor, lançando mão de uma terminologia médica, denomina “pain” e “suffering” (dor e sofrimento).
          A dor é uma experiência presente em todas as culturas humanas, atuais e passadas. Ela é vivenciada pelo indivíduo que a sente, mas é situacional porque é modelada pela cultura. O sofrimento é mais amplo e mais complexo do que a enfermidade: atinge o corpo/ sofrimento físico e a alma/ sofrimento moral! 
          Sofro…mas por que sofro? Por que eu? Quando sofro? Qual a origem e o sentido de meu sofrimento?
          Para muitas pessoas o sofrimento constitui uma via de acesso à compreensão e ao afeto dos “outros”, os que não estão aparentemente sofrendo. Mas constitui igualmente uma ameaça à identidade, especialmente no caso de sofrimentos crônicos. Nestes casos, por exemplo, podem esgarçar a espontaneidade e a solidariedade presentes na vida em sociedade, pois as pessoas que assim sofrem não conseguem participar dos momentos de prazer e de alegria dos “outros”, os demais. O sofrimento crônico, a dor aguda gera indivíduos ansiosos, ensimesmados, temerosos de possíveis diagnósticos, enfim, anti-sociais. Como diz Le Breton, a pessoa que sofre já não apresenta os mesmos comportamentos de antes do evento da dor. Com o tempo a "solidaridad inicial se transforma en desconfianza, y a veces en rechazo" restando a ela a possibilidade do isolamento, de ocultar sua situação, ou a chantagem afetiva como forma de demanda de amor e compaixão. 
          Segundo Le Breton "numerosas observaciones demuestran que la solicitud de la eutanasia nace de la renuncia vital de un enfermo cuyos últimos días carecen de significado, privado del reconocimiento de los otros, enfrentado a la indiferencia y la reprobación del personal sanitario, sin que su dolor sea tenido en cuenta lo bastante. Nada otorga valor a una existencia que el enfermo considera residual y hasta indigna. La compañía sin embargo, arrancando al individuo de la soledad, desactiva el deseo de morir y restablece el valor de la existencia".
          Mesmo a situação da eutanásia assistida guarda em si um último apelo afetivo: a derradeira atenção e carinho de familiares, de amigos e de profissionais da saúde para apaziguar o sofrimento.
          O autor postula que talvez somente a fórmula religiosa seja capaz de conferir um significado à dor. E, em muitos casos, ela é traduzida como prova de amor ou de honra, de dignidade e de pertencimento a uma sociedade. Neste caso tem-se, por exemplo, os ritos de passagem necessários à incorporação à vida adulta, parte essencial da construção da pessoa, à exemplo dos rituais indígenas.
          Mas se a dor pode ser oferecida como prova de amor e sociabilidade por livre escolha, pode também ser imposta, utilizada como castigo, como nas práticas pedagógicas de outrora (a palmatória, por exemplo), ou pela justiça penal. Pode ainda ser usada como instrumento de dominação por meio da tortura, do suplício, da humilhação, do aviltamento, da violação dos direitos humanos e individuais.
          Observa Le Breton que a dor “ es una punción de lo sacro, porque arranca al hombre de sí mismo y lo enfrenta a sus límites, pero se trata de una forma caprichosa, que hiere con inaudita crueldad. […] Todo depende del significado que el hombre le confiera".
          Como lidar com a dor? Como apaziguá-la? 
          Os acumulados da biomedicina atestam que não há nada que atemorize mais aos enfermos que o sofrimento sem diagnóstico, associado às causas desconhecidas, sobretudo nos casos crônicos.
          Buscar o sentido da dor – e assim classificá-la - é um dado recorrente nas diferentes sociedades humanas. Mas o significado da dor depende da existência do indivíduo que padece e dos arquétipos de sua cultura. A dor é uma construção social. Ela sumerge "en una situación dolorosa particular a un hombre cuya historia es única incluso si el conocimiento de su origen de clase, su identidad cultural y confesión religiosa dan informaciones precisas acerca del estilo de lo que experimenta y sus reacciones”.
         Não levar em conta as origens sociais e culturais do enfermo constitui um problema crítico na prática da maioria dos profissionais da biomedicina e da saúde em geral. 
         O significado da dor depende igualmente da visão e do significado que cada pessoa tenha de seu corpo, da representação que cada indivíduo tem acerca dele, o que depende de sua história pessoal e do contexto sociocultural que oferece as matrizes que dão forma a tal sentimento.
          É possível se apreender certa objetividade nos fatos biológicos e biomédicos, mas o mesmo não se pode dizer da dor. Diz ele:
          "No hay una objetividad del dolor, sino una subjetividad que concierne a la entera existencia del ser humano, sobre todo a su relación con el inconsciente tal como se ha constituido en el transcurso e la historia personal, las raíces sociales y culturales; una subjetividad también vinculada con la naturaleza de las relaciones entre el dolorido y quienes lo rodean"
          E recomenda que no diagnóstico da enfermidade se leve em consideração a visão do enfermo pois "hacer del dolor un simple dato biológico es insuficiente en la medida en que su humanización es la condición necesaria para que se presente a la consciencia, y porque entre una realidad espacio temporal y otra, los hombres no sufren del mismo modo ni en el mismo momento".
          O avanço da biomedicina erradicou a dor de muitas enfermidades, mas igualmente possibilitou a cronicidade de muitos sofrimentos que outrora não tinham oportunidade de se manifestar ou que estavam integrados na “economia da vida”.
          Há ainda a diversidade de situações de acesso aos serviços de saúde a se considerar. E o significado mutante de acordo com a classe social a que pertence o indivíduo dorido. O trabalhador menos favorecido economicamente tem sua situação de sofrimento reconhecida pelos seus pares quando a dor torna impossível o trabalho. 
            Não levar em consideração o sentido sociocultural da dor é tornar aquele que sofre ainda mais vulnerável. Mas abolir a faculdade de sofrer – sonho onipotente - seria também abolir a condição humana, o prazer da própria vida!
          Estas são algumas das idéias trabalhadas por Le Breton.
          Boa leitura!
Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado)
Enviado por Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado) em 15/12/2008
Alterado em 15/01/2014
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